quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Hombridade

O Sentido da Vida, J.A.Mackay 3ªedição, 1946

Outro protótipo humano, talvez mais culto e correto, porém não menos bastardo e inferior, é o “snob”. O “snob” pertence á Antiga e Aristocrática Ordem do Pavão Real. Em virtude do sangue que lhes corre nas veias, da posição social que ocupam, da fortuna que possuem, ou da cultura que adquiriram, sentem os membros desta ordem o mais completo desdém pelo outros homens, diante dos quais não perdem oportunidade de pavonear-se, procurando não se relacionar senão com pessoas de sua classe.
Socialmente o “snob” é, amiúde, o animal formoso que, não encontrando a sociedade genial dos seus, mostra preferência pelos cães e cavalos. Foi pensando neste ramo do “snobismo” que disse Bernard Shaw: “E” permitdo às damas e aos cavalheiros de hoje terem amigos no canil, mas não na cozinha. Realmente torna-se assombrosa e desconsertante a quantidade de pessoas que põem a descoberto a sua inferioridade, asssemelhando-se mais ao canino e ao cavalar que ao humano.
Outra espécie de “snob” literário mais o brilho que o esclarecimento. Tem êle a obsessão da forma, preocupando-lhe pouco o fundo. Blasonando a máxima - “A arte pela arte” – passa a vida rebuscando cortes e côres novas tornando-se desta forma alfaiate do efêmero, quando deveria ser escultor do eterno. Os únicos aspectos da vida que interessam ao “Snob são os ostentosos e atraentes. Espectador postado em tôrre de marfim ou em esculpido balcão aristocrático, conserva-se afastado de todo o contacto com a vida real e verdadeira. Jamais lhe ocorre pôr seu talento a serviço de uma idéia ou causa nobres. E quando se dá o caso, como sucede às vêzes, de um “snob” das letras escrever um livro de fundo, quase sempre o faz sôbre temas que estão na moda. Ao tratar de problemas humanos procura não tocar nos aspectos dêsses problemas que estejam efervescentes em sua própria terra. Tratar de temas melindrosos poderia trazer-lhe muitos inconvenientes. Conheço notável obra de sociologia, escrita por um professor sul-americano, em que não se abordam nem de leve os tremendos problemas sociológicos da pátria do autor. É que a êle interessava tão só a crítica estrangeira e não o bem-estar nacional.
Tais pessoas carecem de hombridade. São todos êles “sub-homens”, traidores da bondade, da beleza, da verdade ou da pátria. É também traidor e maldito todo sistema educativo cuja tendência é produzir tipos que vivem desdenhosamente apartados da eterna realidade humana e da realidade atual da pátria.

O terceiro protótipo de homem, que carece de hombridade, é o ególatra. Êle faz do Eu e dos seus interêsses os móveis de tôda atividade. Pretende criar um cosmos que gire sôbre o eixo de si mesmo. Don Juan era egoísta, mas não ególatra, já que suas ações não se inspiravam na idéia objetiva do Eu, mas numa simples paixão carnal. O mesmo poderia dizer-se do “snob”.
Êste indubitàlvente age por egoísmo, mas enquanto o move o bom tom ou a opinião favorável de alguma “elite”, move o ególatra a ânsia desmedida de colocar-se a si mesmo no centro de tôdas as atividades, fazendo com que tudo lhe sirva de meio para a realização de seus fins, sem servir de meio a qualquer interêsse alheio.
Seguir a todo instante a vontade e o interêsse próprios, sem consultar para coisa alguma os interêsses alheios, não é senão uma forma aristrocática da loucura. O perfeito voluntarioso, com todos os seus ares de cavalheiro independente, acha-se possuído do mais trágico dos demônios: o demônio do Eu. Ninguém pode fazer duradoura uma obra que tenha por único móvel uma ambição egoística. Cedo ou tarde, un dos seus vôos temerários, o possesso do “Eu” cairá de bruços apanhado nas alturas pelo furacão de alguma lei universal. “As estrêlas desde as suas órbitas pelejaram contra Sísera”, diz o antigo “Livro dos Juízes”. E Victor Hugo pergunta em “Os Miseráveis”: “Quem ganhou a batalha de Waterloo?.... E responde “Foi Deus!”.
Talvez seja Peer Gynt de Ibsen, o mais perfeito ególatra que nos oferece a literatura. Adotando o lema: “ser eu mesmo”, êsse jovem lança-se ao mundo em busca de fortuna. Depois de uma série de peripécias em países estrangeiros, durante as quais várias vêzes fêz e perdeu avultadas fortunas, volta, já encanecido, à terra natal. No caminho de sua aldeia, entra numa velha horta conhecida. Toma na mão uma cebola e começa a tirar-lhe as cascas. A cada casca que sai, dá êle o nome de algum papel desempenhado na sua vida... O de náufrago arrojado pelo mar à praia americana; o de caçador de focas na baía de Hudson; o de explorador de outro na Califórnia...até chegar por fim ao que devia ser o coração da cebola. Porém...Nada! A cebola é só casca. “Como cebola diz êle, “foi minha vida, só casca, aparência...Sôbre minha lápide gravem-se com letras de fôrma estas palavras: Aqui jaz ninguém”.
Peer Gynt era Don Ninguém, por não ter consultado, em tôda a sua longa vida, senão o Eu e os seus interêsses. Não se pusera a serviço de nada em prol dos outros. Em nenhum coração agradecido sobreviveria seu nome imarcessível. O ególatra há de ser tornar como o tempo, um louco ou ninguém; um homem jamais.

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